domingo, 24 de julho de 2011

RESENHA DO LIVRO “O ÚLTIMO TEOREMA DE FERMAT”

O Último Teorema de Fermat é uma obra de Simon Singh, que mostra a saga de Andrew Wiles em busca de seu sonho: desvendar o enigma que confundiu as maiores mentes do mundo durante mais de trezentos anos. Livro, esse que também serviu como roteiro de uma série da BBC Britânica. É uma história que começa com Pitágoras e os trios Pitagóricos, passa por Pierre de Fermat e muitos outros grandes nomes de matemáticos.
Esta obra foi dividida em oito capítulos, onde há uma viajem por toda construção da matemática que hoje conhecemos, começando por uma introdução de John Lynch, e apêndices onde há demonstrações e explicações matemáticas, e ainda, uma parte de sugestão para Leituras Posteriores, em pouco mais de 320 páginas.
A obra começa contando a tentativa do inglês Andrew Wiles de concluir a grande saga de sua vida, e também o ponto de partida desta saga, quando ainda aos dez anos de idade se deparou pela primeira vez na sua vida com o Último Teorema de Fermat, tornando-se obcecado por tal conjectura matemática. Também nessa primeira parte livro é narrada a vida de Pitágoras e a formação de sua escola, que foi uma grande revolução na matemática, ciência e filosofia. Os trios Pitagóricos eram grandes desafios a serem solucionados, e ainda os números primos, onde havia um enorme esforço para desvendar suas propriedades e peculiaridades.
Deve-se levar em consideração que na época de Pitágoras, a Irmandade Pitagórica era formada pelos mais evidentes sábios, que nas mais variadas áreas eram influências e também uma sociedade muito restrita que causava medo e inveja nos outros, criando alguns inimigos, como vemos no trecho a seguir:

A Irmandade Pitagórica revigorou a matemática com sua busca zelosa pela verdade através da demonstração. As notícias de seu sucesso se espalharam, e no entanto os detalhes de suas descobertas continuaram um segredo guardados a sete chaves. Muitos pediram para ser admitidos neste círculo interno do conhecimento, mas somente as mentes mais brilhantes eram aceitas. Um dos rejeitados foi um candidato chamado Cilon. Cilon ficou furioso com sua humilhante rejeição, e vinte anos depois ele se vingou.

Estas influências podiam até ser de ordem política. Mesmo com o temor que causavam na população eram escutados e suas idéias seguidas por todos, como observamos a seguir:

Durante a sexagésima sétima Olimpíada (510 a.C.) houve uma revolta na cidade vizinha de Síbaris. Telis, o líder vitorioso na revolta, começou uma bárbara campanha de perseguição contra os partidários do governo anterior, o que levou muitos deles a buscarem santuário em Crotona. Telis exigiu que os traidores fossem mandados de volta para receberem sua punição em Síbaris. Mas Milo e Pitágoras convenceram os cidadãos de Crotona a enfrentarem o tirano e protegerem os refugiados. Telis ficou furioso e imediatamente reuniu um exército com 100 mil cidadãos armados. Depois de setenta dias de guerra, a liderança superior de Milo lovou-o à vitória, e, num ato de vingança, ele mudou o curso do rio Cratis sobre Síbaris, inundando e destruindo a cidade.

O temor que causavam no povo, juntando a sede de vingança de Cilon a Pitágoras e seus discípulos, desencadearam uma revolta popular onde a Irmandade Pitagórica foi dizimada e seus trabalhos perdidos. Todos morreram em um incêndio com exceção de Milo que consegui escapar e levou em frente o legado de Pitágoras

Apesar do fim da guerra, a cidade de Crotona ainda estava tomada pela agitação devido às discussões sobre o que deveria ser feito com os espólios da guerra. Temendo que as terras seriam dadas para a elite pitagórica, o povo de Crotona começou a protestar. Já havia um certo ressentimento entre as massas porque a Irmandade continuava a ocultar suas descobertas, mas nada aconteceu até que Cilon surgiu como o porta-voz do povo. Ele alimentou os temores, a paranóia e a inveja da multidão, liderando-a num ataque para destruir a mais brilhante escola de matemática que o mundo já vira. A casa de Milo e a escola adjacente foram cercadas, todas as portas trancadas e bloqueadas para evitar que alguém escapasse, e então o incêndio começou. Milo abriu caminho para fora das chamas e escapou, mas Pitágoras morreu com muitos dos seus discípulos.

Logo adiante, conhecemos a vida de Pierre de Fermat, que é o criador do enigma que dá o título a essa obra, e a maneira como ele zombava dos matemáticos profissionais da época com seus desafios. Fermat foi juiz supremo na corte criminal soberana do parlamento de Toulouse na França e tinha a matemática apenas como um hobby.
A “viajem” continua mostrando como eram as trocas de cartas de Fermat com Descartes, Mersenne, Pascal, citando nomes de grandes gênios matemáticos. Mersenne teve um papel de extrema importância, não de grandes descobertas, mas sim, o de aproximar as mentes mais notáveis através da correspondência de cartas e trocas de idéias. E é esta luta contra a tradição dos matemáticos da época, de serem muito sigilosos, é que os trechos a seguir mostram:

(...) Oito anos depois ele se mudou para Paris, juntando-se à ordem Mínima de l’Annociade, perto do palácio real, um ponto de encontro dos intelectuais. Mersenne com a relutância em falar com ele (Fermat) ou mesmo trocarem idéias entre si (...)

(... Quando padre Mersenne chegou em Paris, ele estava determinado a lutar contra este costume de sigilo e tentou encorajar os matemáticos a trocarem idéias, aperfeiçoando os trabalhos uns dos outros. O monge organizou encontros regulares e seu grupo depois formou o núcleo do que seria a Academia Francesa. Quando alguém se recusava a comparecer. Mersenne contava ao grupo o que podia sobre o trabalho da pessoa em questão, divulgando inclusive catas e documentos, mesmo que tivessem sido enviadas para ele com pedido de sigilo (...)

(...) Em suas viagens ele tentou se encontrar com Pierre de Fermat e acabou se tornando o último contato de Fermat com outros matemáticos (...)

Quando Fermat veio a falecer, em janeiro de 1665, alguns de seus desafios ainda não tinham sidos solucionados e nem sequer publicados, em especial este, que veio a ficar conhecido como o último teorema de Fermat, que partiu do teorema de Pitágoras e seus trios pitagóricos, e tem um desfecho fenomenal em que o citado gênio escreve: “Encontrei uma demonstração verdadeiramente maravilhosa disto, mas a margem é estreita demais para contê-la.” Há quem ache que o príncipe dos amadores realmente tinha tal demonstração e, outros, céticos para tal teorema.
Alias, o ultimo teorema de Fermat só veio a ser publicado pelos esforços de seu filho mais velho que percebeu a importância das atividades que seu pai tinha como hobby e passou a reunir cartas e anotações durante cinco anos e as publicou.
A vida de Euler, também teve uma grande importância para a demonstração do último teorema, pois este observou anotações do próprio Fermat e sobre elas conseguiu demonstrar para dois casos específicos o último teorema. E nesta demonstração teve que usar uma parte da matemática muito pouco utilizada que são os números imaginários. Mas fracassou para outros casos, e mesmo assim continuou sua trajetória brilhante na matemática criando muitos novos conceitos.
Euler, em certa ocasião, trabalhou de forma tão intensa na resolução de um problema de astronomia, que acabou ficando cego de um dos olhos, aos vinte e poucos anos. Quarenta anos depois teve uma catarata que o cegou por completo, tendo que fazer que fazer seus cálculos mentais e anotações em completa escuridão. Ficou sendo conhecido como o Ciclope da Matemática.
Há também neste livro algumas histórias consideradas poemas ou contos fictícios, onde trata de desafios ou até mesmo alguns que tratam da importância do Último Teorema de Fermat e como se espalhou além do mundo fechado dos matemáticos, como neste conto de Arthur Poges, intitulado como “O diabo e Simon Flagg”.

O Diabo pede a Simon Flagg que lhe faça uma pergunta. Se o Demônio conseguir responder dentro de vinte e quatro horas, levará a alma de Simon Flagg, mas, se fracassar, dará cem mil dólares a Simon. Simon Então pergunta: “O Ultimo Teorema de Fermat está correto?” O Diabo desaparece e sai pelo mundo absorvendo todo o conhecimento matemático existente para demonstrar o Último Teorema de Fermat. No Segundo dia, o Diabo retorna e admite sua derrota:
“Você ganhou, Simon”, disse ele quase num sussurro, olhando-o com indisfarçável respeito. “nem mesmo eu posso aprender matemática suficiente, em tão curto espaço de tempo, para resolver um problema tão difícil. Quanto mais eu mergulho na coisa, pior ela fica. Fatoração não-única, ideais - Bah! Você sabe que”, confidenciou o Diabo, “ nem mesmo os matemáticos dos outros planetas, todos eles muitos mais adiantados do que o seu, conseguiram resolve-lo? Existe um cara em Saturno, ele parece um cogumelo sobre pernas de pau, que resolve equações diferenciais parciais de cabeça, e até mesmo ele desistiu.”

No próximo capitulo vemos que no século XIX, o último teorema estava ficando romantizado e já não era mais tão desafiante. Foi quando houve uma reviravolta. O milionário e matemático Paul Wolfskehl estava decidido a cometer suicídio, mas tinha algum tempo, pois tinha marcado para meia noite seu fim. Foi quando ele começou a ler obras de matemática e descobriu algo que poderia ser um erro lógico no trabalho Kummer, envolvendo algumas evoluções sobre o último teorema. Este perdeu a hora do suicídio, e reescreveu seu testamento. Depois de sua morte, para surpresa de todos, no testamento está uma fortuna para quem demonstrasse o teorema de Fermat.
Alguns matemáticos foram para o caminho de jogos em forma de desafios onde a lógica-matemática era muito evidente. Os que se sobressaíram foram Sam Loyd e John von Neumann. O primeiro vendia jogos que é conhecido como o enigma 14-15, que oferecia um prêmio de 1000 dólares para quem resolvesse o enigma. Este, quando estava apenas com as peças 14 e 15 trocadas, era insolúvel e deixava seu criador com a certeza que ninguém conseguiria resolver.
Já o segundo, foi co-autor do livro a teoria dos jogos e o comportamento econômico, onde ele inventou o termo teoria dos jogos. Logo após, ele foi contratado por uma corporação para trabalhar no desenvolvimento das estratégias da guerra fria, usando a teorias dos jogos e idéias da matemática abstrata, que ainda não tinha aplicações, para analisar eventos como guerra. Foi criado um desafio que ficou conhecido como truelo que é semelhante a um duelo, só que com três desafiantes, que todos aumentam suas chances de vitória tomando certas estratégias.
Mostra ainda a vida trágica de Évariste Galois, que morreu prematuramente aos 20 anos de idade e sua revolta juvenil, e de Yutaka Taniyama, que se suicidou no momento onde sua vida parecia mais promissora, e seu companheiro Goro Shimura que continuo seus estudos de curvas elípticas.
O primeiro criou a teoria dos grupos que foi usado por Wiles para sua demonstração, junto com os estudos Taniyama-Shimura sobre equações elípticas e a relação com formas modulares, em uma técnica que conhecemos como derrubar o primeiro dominó. Depois de demonstrado para os primeiros casos também seria provado para todos os casos como acontecem com os dominós, que quando derrubamos o primeiro, todos os outros serão derrubados.
Com certeza, há ainda uma enorme lista de obras, conjecturas, idéias e nomes que contribuíram para demonstração final de Andrew Wiles, como a contribuição de estudiosas do sexo feminino que, por questão de gênero, suas capacidades eram desacreditadas. Muitas outras teorias foram acrescentadas para o final desse grande desafio, que levou Wiles a glória, onde outros perderam suas vidas num esforço fracassado.
Wiles ficou sete anos num esforço em silêncio para concluir sua grande obra, a demonstração pela qual sempre será conhecido. Quando apresentou seu trabalho em palestras na universidade Isaac Newton em Cambridge, levou a um grande frenesi a sociedade matemática ali presente. E conforme suas palestras eram sendo apresentadas, os matemáticos ali presente iam se comunicando e passando a boa nova para o resto do mundo, criando assim uma grande expectativa na sociedade matemática do mundo todo. Mesmo depois das palestras, ainda não era certo que sua demonstração estava correta. Ela tinha que passar pelo crivo de uma banca examinadora, onde seria buscado todo o desenvolvimento e certificado que toda a seqüência lógica estava correta.
E depois de todos os sacrifícios e privações que passou, Wiles viu ser descoberto um erro na sua demonstração. Erro este descoberto por Nick Katz que era o responsável pela analise do capitulo 3. Depois de trocas de e-mails e correspondências com Wiles, que era algo normal para este tipo de procedimento, pois sempre há algumas pontas descobertas para serem ajustadas, percebeu-se que tal erro era mais complexo do que imaginavam. Depois das devidas explicações, este erro permanecia e toda a demonstração estava caindo, e mesmo assim muitas idéias ali contidas já valiam pela descoberta de novos conceitos matemáticos.
Então, Wiles precisava corrigir esse erro de lógica, mas isso não era uma tarefa muito fácil, ele precisava correr contra o tempo. Wiles tinha que corrigi-lo antes que outro matemático usasse seus avanços em novas áreas da matemática para demonstrar Fermat. Também agora ele já não trabalhava mais em completo sigilo, tinham expectativas sobre seus progressos e também muitas dúvidas, mexendo com o lado emocional de Wiles, como no trecho
Agora, aparentemente, ele (Noam Elkies) tinha descoberto uma contraprova para o Último Teorema de Fermat, mostrando que ele era falso. Isto era um golpe terrível para Wiles – a razão para que ele não tivesse conseguido arrumar a demonstração seria que o assim chamado era um resultado direto da falsidade do Último Teorema.

A noticia dessa contra-prova era não só devastadora para o Último Teorema mas também para a conjectura de Taniyama-Shimura, pois tornava as duas falsas e ainda mais devastadora para algumas áreas da matemáticas que a tinham como verdadeira e se baseavam nos avanços de Taniyama e Shimura. Mas essa noticia em particular, depois de uma verdadeira avalanche de perguntas, foi provada como sendo uma brincadeira de primeiro de abril. Depois dela, muitos críticos do trabalho de Wiles o deixaram trabalhar em paz.

Embora a batalha de Wiles com o problema mais difícil do mundo parecesse condenada a terminar em fracasso, ele podia olhar para os últimos sete anos e se consolar de que o conhecimento formando o bojo do seu trabalho ainda era válido.

Foi com muita atenção e concentração que Andrew Wiles revisou e percebeu que, usando dois métodos juntos que separados não funcionaram, ele podia reescrever sua demonstração, e essa revisada e aprovada, entrando definitivamente na relação dos matemáticos mais importantes.
Será que Pierre de Fermat realmente conseguiu provar tal teoria? Era mais uma brincadeira sua zombando com a comunidade matemática da época? Era um erro algébrico? Essas perguntas ainda não podem ser respondidas pelos mais importantes matemáticos, pois para provar o Último Teorema se criou muita matemática, que na época nem se quer imaginava que existia. Mas por outro lado, o “príncipe dos amadores” afirmava que tinha uma prova “verdadeiramente maravilhosa” para tal teorema e, então, custa muito a mim não dar tal crédito para esse notável gênio.
Andrew Wiles teve que ir aos “setes mares” do oceano matemático para desvendar tal mistério. Foi bem sucedido exatamente por isso, pois buscou a matemática que na época de Fermat ainda não existia. Mas daí a crer que o príncipe dos amadores estava apenas zombando, já é demais.
Ainda hoje, alguns matemáticos tentam provar tal teorema apenas com conhecimentos do século XVII. Para mim, gravaria o nome de Pierre de Fermat como o maior nome da matemática. Não só acredito na possibilidade de encontrarem tal demonstração, como sei que ela é verdadeira e maravilhosa, só não a coloco aqui porque me faltaria papel para impressão. Ou em outras palavras
Cuius rei demonstrationem mirabilem sane detexi hanc marginis exiguitas non caparet.


Por Ânderson Roberto Agapitto Barroso.
Professor de Matemática formado pela Universidade Luterana do Brasil e acadêmico do curso de extensão de Educação Matemática.

Nenhum comentário:

Postar um comentário